A estranha morte do Ocidente
Luciano Amaral
Professor universitário
Independentemente das consequências últimas que venha a ter o caso dos
cartoons de Maomé, dele restará mais uma pequena morte do chamado Ocidente.
Haverá poucas coisas que melhor o definam do que a liberdade de expressão e
a separação entre a opinião pública e o Estado. Quando quadrilhas de
radicais islamitas, orquestradas por Estados autocráticos, fizeram um
chinfrim disparatado a propósito dos cartoons, era de esperar que o Ocidente
se unisse na afirmação daqueles princípios. Que asseverasse a sua
especificidade cultural, dizendo claramente se vos ofende a representação
gráfica do profeta, a nós ofende-nos a limitação da liberdade de o fazer.
Ofende-nos que um governo tenha de pedir desculpa pelas opiniões expressas
por um cidadão privado num jornal. A reacção inicial do primeiro-ministro da
Dinamarca foi a correcta e bastava que o dito Ocidente a secundasse com
naturalidade para pôr ponto final na conversa. Quando governos de países
muçulmanos lhe pediram que o Governo dinamarquês se retractasse pelos
cartoons, Andreas Fogh Rasmussen explicou que não era responsável pela
opinião de um jornalista. Todos nós, ocidentais, passamos o tempo a
cruzar-nos com mensagens que consideramos ofensivas, mas aceitamo-las, em
nome de algo que consideramos superior a liberdade de outrem emiti-las. Até
porque é ela que nos permite fazer o mesmo, ainda que seja de forma
involuntária.
Os cristãos ocidentais têm de suportar quotidianamente insultos
extraordinários Cristo como homossexual, Maria como prostituta ou ornada de
bosta de elefante, para dar apenas alguns exemplos gratuitos. Se manifestam
a sua repulsa, logo são tomados por uma franja social lunática ou atacados
com uma bateria de argumentos sobre o carácter inegociável da liberdade de
expressão. Agora, muitos dos mesmos que tanto se deleitam a insultar o
cristianismo à sombra da liberdade de expressão, descobriram a
"sensibilidade cultural" do islamismo. Nada disto é novo, mas desta vez
assumiu proporções (literalmente) de caricatura. Seguidores de Maomé
destroem as torres gémeas de Nova Iorque e uma ala do Pentágono, matando
mais de três mil pessoas, enquanto nas ruas de Ramallah se celebra dançando;
destroem a Embaixada americana em Nairobi, matando 250 pessoas; destroem uma
composição ferroviária em Madrid, matando 200 pessoas; destroem umas quantas
carruagens de metro em Londres, matando 50 pessoas; destroem uma rua
turística de Bali, matando 200 pessoas; o Presidente do Irão promete riscar
Israel do mapa e afirma que o Holocausto não passa de uma "fantasia
judaica". Tudo isto acontece e repetem-se as vozes dizendo-nos que é preciso
"compreendê-los" e às suas "razões de queixa" pela "arrogância" ocidental.
Agora já nem sequer se pode publicar um cartoon em Copenhaga sem que o
"mundo islâmico" se indigne e uma multidão de ocidentais se penitencie, com
diversos governos (inclusivamente de países onde os cartoons não foram
publicados, como a Grã-Bretanha) desmultiplicando-se em desculpas pelo
comportamento de cidadãos privados de outros países. Claro que, quanto mais
este penoso espectáculo continua, mais os radicais islâmicos se permitem
reivindicar uma razão que os próprios ocidentais lhe conferem e passar à
violência despropositada. A pretexto dos cartoons destruíram-se embaixadas
inteiras, ou seja, países foram fisicamente atacados, mas muita gente
continua a assegurar-nos que é preciso "compreendê-los". E quando,
exactamente, é que o Islão terá de nos "compreender" a nós?
A triste conclusão é que, provavelmente, o Islão não tem nada que nos
"compreender" a nós porque a cada dia que passa nós vamos existindo um pouco
menos. Quem vê as torres gémeas cair e os comboios de Madrid a arder e
continua a pregar a "compreensão" do outro não é, obviamente, merecedor de
qualquer respeito. O ódio de tantos ocidentais à civilização a que pertencem
é um dos fenómenos mais fascinantes e deprimentes do mundo de hoje. São
esses os ocidentais que passam o tempo a recensear horrores no Ocidente, ao
mesmo tempo que "compreendem" os horrores alheios, em nome da sua
"especificidade" cultural. São eles que nunca encontram nenhuma razão para o
Ocidente se defender de insultos e ataques. São eles que consideram Bush e
os EUA os equivalentes actuais do nazismo (sem exagero basta lembrar o nosso
ministro dos Negócios Estrangeiros, as bandeiras americanas com as cruzes
gamadas ou Bush com o respectivo bigodinho alusivo), mas parecem achar
normais as regurgitações iranianas sobre o Holocausto. São eles que
consideram Guantánamo a maior vergonha da humanidade (o "novo gulag", na
imortal definição da Amnistia Internacional), mas encolhem os ombros aos 300
mil mortos do regime de Saddam.
O mais interessante disto tudo é que são mesmo capazes de ter razão. Se uma
civilização não gera os instintos necessários para sobreviver, é porque não
merece sobreviver. Se são eles que preferem não se defender a si próprios,
porque razão haverá alguém de os defender a eles?
3 comentários:
LIBERDADE anda indissociavelmente agarrada à RENPOSABILIDADE.
Liberdade de dizer, de escrever de desenhar com a consequente reponsabilidade do que se diz, do que se escreve e do que se desenha.
Liberdade e responsabilidade têm que ser as duas faces de uma mesma moeda.
Uma coisa sem a outra é o caminho para o caos e para a anarquia no seu pior sentido.
sim, sim....ai o caos, ai a anarquia...que medo...
este gajo - o do poste não o do comentário - é um bocadinho trauliteiro a escrever não é? deita muitos gafanhotos e baba-se imenso, ou é impressão minha?
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