Um dia, era eu pequenina e caí nele.
Era escuro e fundo e com pouco ar.
Queria sair dele mas não conseguia porque um caldeirão tem umas paredes que não ajudam.
Para além de serem lisas, sem saliências que me suportassem um passo acima d'outro, quanto mais subisse mais elas inclinavam, me inclinavam, para a queda certa.
Enquanto sentada no fundo, de pernas cruzadas, pensava (eu mesmo pequenina, assim tipo quase bebé mas falante), vou gritar pela mãe. As mães salvam sempre os filhos.
Mas não saiu nenhuma voz porque, infelizmente, a idade era inversamente proporcional à perpicácia e então ela, a voz, ficou guardada.
Sabia que não me ouviria, a mãe...nem ninguém. E não gritei!
Chorei...chorei a minha perda, muito. Chorei-a com egoísmo e com altruísmo por, já de tão tenra idade, saber que faria falta a um pequeno grande mundo - o que me estava destinado - se morresse ali.
Frio. Medo. A solidão incompreensível para uma criança.
As crianças não percebem a solidão porque ela não é natural. Porque foge do percurso que é o normal: o da presença, do carinho, do mimo e da birra repreendida.
Não desisti.
Queria ser a Pipi das Meias Altas que já nessa altura venerava.
E chamei-a. O mais alto que pude.
E ela veio, no seu cavalo Sarapintado.
E, com aquela força mágica, atirou uma corda e puxou-me do Caldeirão.
Abraçámo-nos, rimo-nos e, sem outra ideia melhor, resolvemos aproveitar o meu cárcere para fazer uma Massa à Bolonhesa, cheia de queijo parmesão.
E comemos, e o macaco Nilsson e o cavalo Sarapintado também e, depois, como eu era mais pequena e não sabia ler mas a Pipi já sabia, fui a correr a casa buscar a Menina do Mar, da Sophia de Mello Breyner.
A magia tem destas coisas e a Pipi leu tudinho em português correcto, mesmo sendo do Norte, lá muito em cima, dum país chamado Suécia.
Como o livro tinha ilustrações e a Pipi é muito especial percebeu a história toda e adorou, como eu adorava, a história.
Foi um milagre a Pipi salvar-me.
Foi um milagre eu ter vivido e ter 3 filhos maravilhosos.
É um milagre eu ainda ACREDITAR!
P.S. nunca saberei o que teria acontecido se tivesse gritado MÃE.
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